domingo, 8 de setembro de 2013

FAZ PARTE


Imagem extraída de https://www.wikihow.com


Certo dia, enquanto eu lavava a louça da janta, meu filho se aproximou de mim e me fez uma confidência:

-Mãe - disse-me ele - estou triste!

-Por quê? - Indaguei sem lhe dar muita atenção.

-Não queria ter de voltar às aulas tão depressa, confessou-me. Porque as férias passam tão rápido?

-Não se preocupe- respondi-lhe enquanto continuava o meu afazer - isso faz parte.

-O quê faz parte? - Inquiriu-me ele franzindo a testa em sinal de que não conseguira digerir minha resposta.

-A tristeza, respondi-lhe sem rodeios.

-Parte de quê? - Perguntou-me tentando evidenciar minha ineficiência em responder uma pergunta tão simples.

-Da vida, meu filho, da vida - respondi-lhe voltando-lhe rapidamente o olhar. 

Parece que o garoto entendeu minha resposta, ou percebeu que perderia seu tempo ao esperar de mim uma explicação mais razoável, pois logo que lhe respondi se retirou de minha presença.

Continuei lavando a louça enquanto meus pensamentos retornavam ao questionamento de meu filho e ponderei sobre minha resposta tão reticente, que por certo me deixaria envergonhada se eu estivesse sendo assistida por Sócrates, Platão, Nietsche ou outras mentes geniais da filosofia.

Relatei este incidente porque foi exatamente isso que fiquei pensando durante toda a execução de meu trabalho na pia: Por que temos de passar por momentos ruins?

Enquanto pensava me veio à mente uma ideia em forma de resposta a qual achei digna de ser avaliada. Por isso, finalmente decidi expô-la.

A primeira coisa que me ocorreu foi: Temos uma maneira errada de ver as coisas.

Por exemplo: Se em uma manhã, exatamente a hora em que precisamos sair de casa, começasse a chover, dezenas de pessoas ficariam irritadas e cada uma reclamaria do clima conforme lhe permitisse a sua educação. A chuva naquele momento seria encarada pelo mau humor de quem se preparou a noite toda para ir ao parque de diversões. Seria vista como um enorme atraso de vida por aqueles que precisassem pegar as marginais alagadas de São Paulo. Seria odiada pelas donas de casa que tivessem seus tanques cheios de roupas e nenhum sol para secá-las. Os banhistas falariam mal da água que cairia sobre eles lhes impedindo de cair nelas. E assim por diante.

Muitos sequer parariam para pensar no bem que a chuva traz aos terráqueos. Também não se dariam conta de que se fosse preciso esperar o mundo parar, de forma que ninguém saísse de suas casas para que a chuva caísse, nunca choveria. Sempre há um ingrato na rua pronto para verbalizar inúmeros xingamentos como recepção às águas torrenciais ou as simples garoas que lhes caem à cabeça. Fomos criados alienadamente, enxergando só o que nos convém no momento chamado agora. Fomos instruídos a ver apenas a metade do todo. Fomos educados a ser efêmeros e rasos.

 Não sabemos olhar os acontecimentos a longo prazo e não temos paciência suficiente para nos entregar a meditação antes de abrirmos a boca para absolver ou condenar o que acontece a nossa volta. O nosso passeio de hoje é mais importante que a necessidade do solo de se embeber para nos produzir o alimento futuro. Não podemos sair mais cedo ou chegar mais tarde de/ em nossos destinos, mas achamos que o tempo deve esperar nossa chegada, antes de desabar em águas, mesmo que sejam elas que alimentam as nascentes que nos mantém com vida. Não aceitamos ficar com as roupas sujas no tanque, embora precisamos da chuva para ter mais água para lavá-las. Odiamos sermos impedidos pelas torneiras de São Pedro, mas também não admitimos nadar em um mar de areia.

Santo Deus! Como me envergonho de fazer parte disso! Parece que há tempo paramos de ser Seres Humanos e  nos tornamos apenas terráqueos. Seres humanos precisam usar suas capacidades mentais, já que é isso que nos diferencia dos animais. Mas, se tem algo que nós não costumamos fazer é pensar.

Creio que um dos grandes erros da humanidade é que desde a infância aprendemos as coisas pela metade. Nossos pais, zelando pela nossa felicidade, idealizaram para nós os verdejantes campos e nos ensinaram a nunca descermos a montanha do nosso porto seguro. O lado negro e sombrio da vida nos foi severamente impedido de trilha-los e a eles deram o nome de fracassos. Fomos alertados a sempre buscarmos o caminho da solidez e do progresso e devidamente avisados que, somente um fraco e sem inteligência desceria ao vale de angústia, independente da situação que os fez chegar lá. Chorar, aprendemos que é coisa dos fracos, especialmente se for homem: homens não choram! - Ouvimos a repreensão de nossos pais. 
Se nos sentimos tristes, jamais podemos demonstrar para não ferir a boa convivência. Sorrir é o nosso modo de mostrar quão felizes somos! Se a situação financeira apertar o melhor é esconder de todos nossas burradas cometidas, afinal, o bom cidadão não faria uma asneira dessas, diriam os mais “experientes”. Se mentimos alguma vez, por pior que a mentira seja,  confessá-la não seria o mais indicado, afinal, quem há de acreditar nos motivos de um mentiroso? Em suma: Fomos ensinados a ser hipócritas!

É, de certo modo, irônico, mas os seres mais imperfeitos, conhecidos por seres humanos, é a criatura mais hipócrita que já conheci! Preferem viver de mentiras a assumir que todos nós temos altos e baixos e que durante nossa existência nesse planeta vivemos em cima de uma corda bamba, onde basta um deslize e levamos aquele tombo! E como é comum ver humanos caindo!

Tudo o que nos agrada no momento presente é denominado “bom”. O que nos desagrada é “ruim”. Os momentos fáceis do lazer e o conforto da nossa ociosidade nos são mostrados como o lado bom da vida, e por eles trabalhamos e derramamos o nosso suor. O trabalho em si e a busca pelo conhecimento são vistos como ruins porque exige esforço, fadiga e... Muita espera. Odiamos esperar! Fomos ensinados a buscar o efêmero e desprezar o duradouro.

Fomos, de certa forma, enganados por pessoas que anteriormente também o foram. Infelizmente, esses momentos ditos “ruins” os quais repelimos de nossas vidas como pragas temidas são encarados da mesma maneira como a maioria de nós encara a morte: Todos sabem de sua existência, mas, a despeito disso,  preferimos  acreditar que somos imunes a ela, quando a verdade é que tanto a morte quanto os momentos ruins em nossa vida são do tipo que tardam, mas não falham. Certamente virão. Sim, os “bons” e os “maus” momentos. E o problema é que nos falaram tão pouco sobre o lado escuro da existência que hoje não nos sentimos preparados para enfrentá-lo! Fomos programados para viver uma vida ensolarada sem sequer uma nuvem negra.

Às vezes perdemos infinitas horas em lágrimas por causa de uma burrada que cometemos e nos descabelamos como se isso não fosse algo natural. Acorda amigo, desde que nos entendemos por gente sabemos que o ser humano é totalmente imperfeito e cem por cento sujeito a deslizes e falhas. Não deveríamos nos surpreender: Ser quem somos apenas vai determinar quais sejam as situações que mais vivenciaremos, mas ambos os momentos, os bons e os ruins, hão de nos alcançar enquanto habitarmos no planeta Terra.

Porque ficamos desolados com nossos erros como se o próprio Deus houvesse errado? Somos humanos, imperfeitos, fazemos julgamentos errados o tempo todo e estamos diariamente tentando desviar o pé do próprio buraco que nossa insensatez constrói todos os dias.

Se cairmos nele, calma, isso faz parte! O que não podemos é desistir de tentar retornar ao topo. Recomeçar é o verbo que deve ser diariamente conjugado pelos seres humanos. Somos um infinito círculo de recomeços. Ficamos em cima, caímos e tornamos a subir. Isso é o ser Humano. Somos eternos aprendizes!

Chorar, lamentar, se entregar a depressão ou a morte faz parte dos momentos de nossa existência, mas lutar, reagir, clamar por ajuda, esforçar-se por sair do poço em que caiu também faz parte. Todos os nossos momentos são inconscientemente planejados por nós ou pelos outros, mas mesmo assim, não tem novidade nisso: Tudo o que passamos faz parte, amigo, faz parte!

Parte do quê?! Da vida, ora bolas!

Os maus momentos também nos ensinam lições e nos deixam mais resistentes, enquanto que, ás vezes, o que é reconhecido como “momentos bons” podem nos trazer marcas incuráveis e nos levar aos momentos ditos ruins.

As coisas não desejáveis que nos sucedem, mesmo que forem feitas por irresponsabilidade ou por deslize nosso, também são momentos que deveriam ser reconhecidos como naturais da vida, nem sempre corretos, mas naturais, pois desde que nos entendemos por gente sabemos que o ser humano é imperfeito e passível de erros, daí o ditado: “Errar é humano...”.

Portanto, amigo leitor, cheguei a conclusão de que aquela fase, considerada a pior situação que já nos envolvemos, não é, de fato, o fim do mundo, mas apenas nossa humanidade nos convidando a recomeçar e dar a volta por cima. Nossa vida é feita de momentos bons e ruins, e são a junção de todos esses momentos que formam isso que chamamos  “vida”. 

Leila Castanha
09-2013



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