Levantei-me às cinco horas
da manhã. Andei cerca de cinco minutos para apanhar o ônibus que passou
quarenta minutos para chegar ao ponto.
Passageiros irritados,
olhando para o relógio várias vezes, enquanto aguardavam o transporte chegar. O motorista, também irritado pela
irritação dos passageiros, que não tendo como reclamar seus direitos às autoridades
máximas conformavam-se em xingá-lo, já que ali era a máxima autoridade.
Se alguns passageiros percebiam-se atrasados,
culpavam o motorista porque era lerdo, e se o pobre infeliz acelerava, era
brecado aos gritos: “Ei cara, tá pensando que tá levando gado? Vai mais divagar
aí, ô”.
Eu não sabia de quem eu deveria sentir dó: dos
passageiros ou do motorista. Na dúvida, tive dó de mim mesma, que, afinal,
estava enfrentando um trânsito desgraçado, ia para uma consulta médica, a qual
aguardava há pelo menos quatro meses em um hospital público que era o retrato
do descaso. Lá eu ainda enfrentaria uma longa fila enquanto assistiria o prédio
hospitalar e as pessoas que estariam à minha volta rodando a grande velocidade,
por causa das minhas terríveis crises de labirintite, motivo que me levava até
aquele lugar.
Passaram-se,
aproximadamente uma hora e eu, juntamente com mais um monte de rostos que vi na
fila onde apanhei o ônibus, continuamos no transporte que não andava. As pernas
e o assento, não do ônibus, mas o de cada um, ficava a ponto de dar cãibras
devido a mesma posição que éramos obrigados a manter por falta de espaço.
O transporte popularmente
conhecido como “lotação”, o nome mais verdadeiro que já puseram num transporte
público, ia realmente lotado! A impressão que dava era que o bairro todo
resolveu sair no mesmo dia e horário. Detalhe: Eram várias lotações que
circulavam e todas faziam o nome jus. Ah, e quando falo “circulavam” é só
maneira de dizer, porque no trânsito que se formava por onde tínhamos que
passar era impossível algum carro se mover.
Durante o trajeto desci no
meio do caminho e apanhei um ônibus que seguia pelo corredor já que as peruas
(outro nome das lotações) não tinham autorização para fazê-lo. O trânsito continuou lento, mas
após longos minutos, cheguei ao fim do meu trajeto.
Vi o hospital, mas ao descer, percebi que o
ônibus não me deixou tão perto como eu esperava. A obra do metrô, feita para
ajudar o povo em seu tráfego, me atrapalhou toda! Fui forçada a andar mais dez
minutos, rodeando a obra até cruzar o portão do hospital.
Cheguei cansada! Ao
adentrar o hospital peguei uma fila que me fez esperar mais uns dez ou quinze
minutos. Ao chegar a minha vez a surpresa:
A moça da recepção, que
estava com cara de mais cansada do que eu que andei pra caramba, olhou para o
papel que entreguei a ela, onde constava o nome do especialista com quem eu
deveria passar, e sem levantar a cabeça me disse que teria de remarcar a consultar
porque o médico estava atendendo em outro lugar. Retruquei, tentando disfarçar
minha raiva:
- Mas não me
mandaram vir aqui?
- Sim, respondeu ela - mas
infelizmente ele está lá, então o jeito é remarcar.
A funcionária começou a
remarcação enquanto eu tentava me acalmar, engolindo minha decepção.
Chegou o novo dia no qual
eu deveria me consultar no novo endereço.
Cinco da madruga e eu já
estava de pé. Peguei o mesmo ônibus, o mesmo trânsito, e fui à mesma consulta
atormentada pelas mesmas tonturas.
Cheguei ao local indicado.
Era um consultório pequeno cheio de gente aguardando para ser atendida. Alguns
pacientes estavam de pé e outros sentados. Eu e minhas vertigens estávamos de
pé. Fiz das tripas coração para disfarçar meu mal estar e apoiei-me no braço do
meu acompanhante. Claro, já conhecia bem o descaso dos órgãos público de saúde
e sabia que não podia confiar em ir sozinha.
Passou-se cerca de uma
hora desde que cheguei e alguém apareceu perguntando quem iria passar com o
doutor Fulano de Tal. Eu iria. É isso aí, “iria”, porque desta vez ele se
demitiu.
Ao ouvir isso, me soou
como uma piada de mau gosto e eu não sabia se chorava ou rolava de rir.
Fiquei revoltada. Senti
muita raiva. Estava altamente decepcionada! Voltei para casa com nova consulta
marcada para dois meses depois naquele mesmo lugar.
Chegou o dia da consulta.
Desta vez, dormi um pouco mais. Levantei-me às nove e meia porque só precisava
estar lá às doze e trinta. Apesar do horário peguei aquele trânsito! Trinta
minutos parada no mesmo lugar enquanto a condução circulava em passos de
tartaruga. Cheguei ao local da consulta em cima da hora. Na portaria da clínica
fui abordada por um segurança que me perguntou o que desejava ao que lhe
respondi que tinha uma consulta com o médico Sicrano. Não era o mesmo da outra
consulta.
- Como assim? -
Perguntou-me o segurança - ele está atendendo no hospital há dois meses.
Senti meu rosto queimar de
raiva. Veio-me à mente a imagem de vários políticos nos quais votei. Senti ódio
de todos eles. Vontade de gritar ao mundo o que esses bandidos legalizados
estavam fazendo com o dinheiro público. Não me conformava calada e peguei emprestados
os ouvidos do meu acompanhante, mas, reciprocamente
lhe cedi os meus.
Sob protesto, voltei para
o hospital que ficava mais perto que a clínica onde havíamos ido. Entrei onde
sempre pedia informação e como se houvesse um arrebatamento as recepcionistas
desapareceram. Só havia os balcões encostados à parede. Procurei outra recepção
e lá me informaram que a especialidade na qual eu iria passar ficava no portão
do outro lado da rua. Passei a informação ao meu acompanhante, e sentindo-nos
como dois bobos da corte seguimos para lá.
Quatro filas paralelas.
Fiquei confusa. Informei-me com o segurança o qual me indicou o lugar. Eu deveria
ir para a primeira fila.
- Para quê é essa fila? –
Perguntei, para certificar-me que estava indo ao lugar certo.
O guarda respondeu-me:
- Para remarcar para o
otorrino.
Tentei explicá-lo:
- Não, senhor, já tenho consulta marcada.
- Você não está marcada
com a doutora Fulana? –Interrogou-me o guarda.
- Exatamente. - respondi.
Pois é, prosseguiu o
segurança, os pacientes dela devem remarcar as consultas porque ela não
trabalha mais aqui.
Olhei com muita raiva para
o meu acompanhante que até então não sabia o que estava acontecendo, e
sentindo-me muito humilhada e desrespeitada pensei:
-Por que nós que pagamos
nossos impostos não temos opção de nos desligarmos de um sistema de saúde tão
precário, assim como os médicos fizeram?
A moça marcou nova
consulta para um novo dia. O tal dia não chegou ainda e nem sequer está perto.
O problema é que para muitos esse dia nunca vai chegar porque eles já estarão
muito longe dessa realidade absurda promovida por aqueles que deveriam estar nos
servindo, mas que, pelo contrário, além de arrancar de nós o pouco que temos,
ainda tira a única coisa que nos resta: A sobrevivência.
Sim, a sobrevivência, pois
quem vive são os ricos. Para o pobre, o hospital não é lugar para se cuidar da
saúde, mas apenas para fazer alguns reparos urgentes, quando a máquina do corpo
está ameaçando parar de vez. E com essa velocidade de atendimento, cada vez
mais haverá máquinas parando de funcionar e sendo enterradas como coisas
descartáveis!
Por isso, enquanto não
temos a quem apelar na Terra, vamos rogar aos Céus,
unindo-nos em prece:
- Senhor, livra-me de
precisar dos recursos públicos deste país. Amém!
Leila Castanha
04/2013
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