Ela
chegou. Mansinha, com jeito
de quem não quer nada, instalou-se junto a mim. Seus olhos tem um ar pensativo
e perdido, como se sempre procurasse por algo. Seus lábios tem forma de
tristeza misturada com ansiedade. Seu corpo tem aspecto preguiçoso e
melancólico que passam a impressão de um peso que o sobrecarrega. Suas mãos,
sempre nervosas, costumam procurar os olhos para enxugar-lhes e vez por outra
apoiar o rosto, num movimento de apatia e canseira. Os pés são inquietos e
balançam energicamente demonstrando grande ansiedade mesclada com um vazio. A
voz, ora normal, ora embargada, faz cortar o coração de quem ouve.
Geralmente,
ficamos a sós quando ela chega. Só
ela e eu. Costumamos
passear juntas pelas estradas do passado e observamos longamente os detalhes em
nossa caminhada. Falamos de tudo: Eu prefiro referir-me ao presente, mas ela
sempre me faz voltar ao passado, levando-me a mergulhar no delicioso rio das
recordações. Ela atiça o fogo da minha memória e quanto mais lenha põe mais
queima a minha alma me fazendo sofrer. Seu poder de transportar-me ao passado é
tão eficaz que consegue trazer à tona lembranças há muito sepultadas, tanto
boas quanto ruins, mas ambas totalmente benéficas em algum lugar do passado.
Mostra-me,
como em fotografias, cada momento que curti e que hoje não os tenho mais. Às vezes a acho bondosa por não
deixar-me esquecer das pessoas, dos lugares e das situações que me fizeram
felizes neste mundo. No entanto, há momentos que a acho sádica e totalmente sem
escrúpulos, quando faz renascer em mim as dores esquecidas ao trazer-me
lembranças , que embora não sejam ruins, só pertencem aos tempos remotos de
minha existência.
Fico
alguns minutos e até mesmo horas em sua companhia. Às vezes agradável, mas
outras vezes extremamente prejudicial ao meu coração. Preciso dela para sentir-me
viva, porém, às vezes ela me faz ter vontade de morrer. Desejo tê-la perto de
mim com a mesma intensidade que a quero longe. Perto, quando me faz rir, ao
levar-me a nadar no rio de minhas venturas situado no longínquo anos dos meus
dias remotos. A quero longe, quando me rasga a alma com a dor de uma lembrança
feliz que só existe no meu baú de recordações, o qual fica trancado a sete
chaves no porão do meu passado, e por mais que o deslumbre não tenho
autorização de novamente apropriar-me deles.
Essa
dama me fascina e me faz temê-la. Sou sua senhora e sua escrava. Chamo-a para
um passeio em meu feliz passado e ela prontamente me atende, mas rebelde como
é, também costuma surpreender-me, levando-me a palmilhar sobre minhas próprias
pegadas, a seu bel prazer e a despeito de minha vontade.
A
ela meu coração se curva porque é mais forte do que eu. É mestra em persuadir,
de forma que me faz pensar em fatos e pessoas que jurei não mais me lembraria.
Faz-me sentir no controle para depois armar-me ciladas em minhas próprias
aventuras. Geralmente, retorno de nossos passeios com o rosto envolto em
lágrimas e o coração partido.
Ela
é enigmática, doce e ao mesmo tempo cruel. Apresenta-se sempre como amiga e
confidente, no entanto, quando confiamos nossos pensamentos a ela, não resiste
em brincar com nossa alma solitária. Ela derruba e levanta a quem quer,
bastando aumentar ou diminuir a dose da solidão, no coração reminiscente. Seu
império alcançou o mundo e seu nome é coroado entre os séculos. É a rainha dos que vivem no ostracismo.
Ela
é minha lembrança boa que nunca há de se perder. Sou eu no tempo que nunca mais
voltará. É meu passado e a garantia de minha identidade presente. É minha amiga
leal e também meu algoz. Ela é uma velha conhecida minha, que sempre esteve
presente e nunca me abandonará. Seu nome é Saudade.
Leila
Castanha
09-2013
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