quarta-feira, 4 de setembro de 2013

ELA E EU


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Ela chegou.  Mansinha, com jeito de quem não quer nada, instalou-se junto a mim. Seus olhos tem um ar pensativo e perdido, como se sempre procurasse por algo. Seus lábios tem forma de tristeza misturada com ansiedade. Seu corpo tem aspecto preguiçoso e melancólico que passam a impressão de um peso que o sobrecarrega. Suas mãos, sempre nervosas, costumam procurar os olhos para enxugar-lhes e vez por outra apoiar o rosto, num movimento de apatia e canseira. Os pés são inquietos e balançam energicamente demonstrando grande ansiedade mesclada com um vazio. A voz, ora normal, ora embargada, faz cortar o coração de quem ouve. 
Geralmente, ficamos a sós quando ela chega.  Só ela e eu.  Costumamos passear juntas pelas estradas do passado e observamos longamente os detalhes em nossa caminhada. Falamos de tudo: Eu prefiro referir-me ao presente, mas ela sempre me faz voltar ao passado, levando-me a mergulhar no delicioso rio das recordações. Ela atiça o fogo da minha memória e quanto mais lenha põe mais queima a minha alma me fazendo sofrer. Seu poder de transportar-me ao passado é tão eficaz que consegue trazer à tona lembranças há muito sepultadas, tanto boas quanto ruins, mas ambas totalmente benéficas em algum lugar do passado.
Mostra-me, como em fotografias, cada momento que curti e que hoje não os tenho mais.  Às vezes a acho bondosa por não deixar-me esquecer das pessoas, dos lugares e das situações que me fizeram felizes neste mundo. No entanto, há momentos que a acho sádica e totalmente sem escrúpulos, quando faz renascer em mim as dores esquecidas ao trazer-me lembranças , que embora não sejam ruins, só pertencem aos tempos remotos de minha existência.
Fico alguns minutos e até mesmo horas em sua companhia. Às vezes agradável, mas outras vezes extremamente prejudicial ao meu coração.  Preciso dela para sentir-me viva, porém, às vezes ela me faz ter vontade de morrer. Desejo tê-la perto de mim com a mesma intensidade que a quero longe. Perto, quando me faz rir, ao levar-me a nadar no rio de minhas venturas situado no longínquo anos dos meus dias remotos. A quero longe, quando me rasga a alma com a dor de uma lembrança feliz que só existe no meu baú de recordações, o qual fica trancado a sete chaves no porão do meu passado, e por mais que o deslumbre não tenho autorização de novamente apropriar-me deles.
Essa dama me fascina e me faz temê-la. Sou sua senhora e sua escrava. Chamo-a para um passeio em meu feliz passado e ela prontamente me atende, mas rebelde como é, também costuma surpreender-me, levando-me a palmilhar sobre minhas próprias pegadas, a seu bel prazer e a despeito de minha vontade.
A ela meu coração se curva porque é mais forte do que eu. É mestra em persuadir, de forma que me faz pensar em fatos e pessoas que jurei não mais me lembraria. Faz-me sentir no controle para depois armar-me ciladas em minhas próprias aventuras. Geralmente, retorno de nossos passeios com o rosto envolto em lágrimas e o coração partido. 
Ela é enigmática, doce e ao mesmo tempo cruel. Apresenta-se sempre como amiga e confidente, no entanto, quando confiamos nossos pensamentos a ela, não resiste em brincar com nossa alma solitária. Ela derruba e levanta a quem quer, bastando aumentar ou diminuir a dose da solidão, no coração reminiscente. Seu império alcançou o mundo e seu nome é coroado entre os séculos.  É a rainha dos que vivem no ostracismo. 
Ela é minha lembrança boa que nunca há de se perder. Sou eu no tempo que nunca mais voltará. É meu passado e a garantia de minha identidade presente. É minha amiga leal e também meu algoz. Ela é uma velha conhecida minha, que sempre esteve presente e nunca me abandonará. Seu nome é Saudade.

Leila Castanha
09-2013


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