“Não vejo a hora de sumir
desta casa!" - ouvi uma voz aos berros -“Droga de vida! Não sei pra quê
nasci...”
Em seguida, ouvi uma
pancada na porta, que pela distância do barulho deduzi vir de um dos quartos.
Respirei fundo e continuei a lavar a roupa suja.
O som da música, quase no
último volume, bailava pela casa afora enquanto eu tentava segurar o ritmo
alucinado que dava nós nos miolos dentro da minha cabeça. Já sem paciência, larguei a roupa sob o
tanque e disparei até o local do desatino.
“Que é isso?!” - falei o
mais alto que pude, tentando vencer a altura do som do rádio e a cantoria da
autora do show ensurdecedor.
Vi diante de meus olhos
perplexos a imagem de uma pedra: Surda, cega, e totalmente alheia a minha
presença. O som continuou no mesmo volume e a cantoria em nada foi alterada.
“Fulana!!!” Gritei
segurando meus nervos que já estavam a flor da pele.
“Que é?!” Gritou a garota,
voltando o rosto em minha direção com um olhar cheio de ressentimento e a
respiração frenética.
“Você tá doida?!”- As
palavras saíram de minha boca sem meu consentimento - “Quer me enlouquecer?!”
“Eu odeio esta casa!”, disse-me,
enquanto desligava o alarmante som.
Com a mesma brutalidade
com que desligara o aparelho, jogou-se na cama de bruços, como se não houvesse
ninguém mais no quarto, além de si mesma e sua rebeldia.
“Qual é o seu problema?”,
perguntei-lhe tentando entender o que causara aquele comportamento.
“Meu problema é ter
nascido.” - respondeu-me, sem voltar-me o rosto.
Sentindo uma pontada de
desapontamento por não tê-la educado
adequadamente, preparei-me para desfazer meu erro colocando juízo naquela
cabeça. Abri a boca para deixar fluir as palavras que lhe mostraria quão
privilegiada era por ter nascido em nosso lar:
“Escute filha...” - Foi
tudo que consegui falar, pois, com agilidade, roubou-me a vez da fala e
substituiu todas aquelas belas frases que ensaiei e as resumiu em três ou
quatro palavras: “Blá, blá,blá, blá...” - Repetia, enquanto olhava-me com
desdém - “Vai começar tudo
de novo, mãe? Já sei de cor tudo que você vai falar”.
Sem tempo de
recuperar-me do choque, olhei para aqueles olhos frios, e como recompensa pela
minha criação recebi de sua boca um som ininteligível, que se articulado em
palavras seria mais ou menos assim: Dammmmmm!
Saí daquele quarto as
pressas, tentando esquecer minha posição de autoridade já que a ideia que me ocorria no momento
era meter a mão naquele rosto que tanto beijei.
“Não!” - sussurrava-me o
bom senso e o amor materno - “Perca agora para ganhar depois”.
“Ganhar o quê?” - gritava
meu orgulho ferido - “Uma filha ingrata e uma gastrite nervosa?!”
Enquanto era vítima de
meus conflitos interiores, andei pela casa para evitar agir por impulso. Ao
chegar de volta ao tanque peguei a primeira roupa que me veio à mão quando senti
meu corpo e minha alma sacolejarem aturdidos por um grito agudo e estridente
que irrompeu pela casa: “Mãeeeeeeee! Manda esse moleque parar de me encher
o saco, ou vou arrebentá-lo!”
Foi a gota d’água: Joguei
a roupa no tanque e saí guiada pela ira que me possuía. Dirigi-me ao quarto com
o intuito de liberar toda a minha raiva. Entrei, bati a porta com violência,
joguei-me na cama de bruços e pus-me a chorar: “Que droga de vida!” - Falei
entre soluços - “Não vejo a hora de sumir dessa casa!”.
Abri os olhos e ao lado da
minha cama vi o mesmo rosto familiar que quis estapear horas antes, de cujos
lábios emanaram uma voz doce e branda: “Mãe, tá tudo bem com você?”
“Tá, sim, filha”,
respondi-lhe entre soluços, “É
só uma fase que estou passando!”.
Levantei-me, lavei o rosto
embebido em lágrimas, olhei-me no espelho, e sentindo-me ridícula, sorri ao
relembrar da cena embaraçosa: “Deus, que fase louca que estou vivendo!... Virei mãe de adolescente!!!
“Calma!” Reconheci a voz
da experiência: “É só uma fase! Isso passa...”
Leila Castanha
11/2013
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