sexta-feira, 20 de junho de 2014

MEU AMIGO LIVRO



Companheiro em noites longas quando o sono me largava
Em viagens bem distantes do chão vinha me tirar
Poderoso e altaneiro, suas asas me elevavam
Nada no mundo podia do seu poder me livrar

Já fui longe, temerosa, junto ao pé de Dom Quixote
Com seu amo subalterno, Sancho Pança, lhe servi
Resoluto e altaneiro, com espada sempre pronta
A  milhares de miragens, a seu lado socorri

Com Bentinho, de Machado, vi a trama da tragédia
Seu  amor enlouquecido, em ciúme converter
Capitu, pobre amiga, pude vê-la ir-se embora
Para longe do amado, na Europa falecer.

E seu filho Ezequiel, cuja  sorte a morte entrega
Foi qual morto para o pai, culpado de sua dor
Rejeitado por ciúme, com um nome a condenar-lhe
Nunca soube o que seria o paterno e doce amor

Inda penso na desgraça que Bentinho fez na vida
Apesar de passo a passo sua história eu conhecer
Prometi a Capitu, quando Bento a acusara
Sua honra e honestidade sempre haver de defender

Já estive entre as matas com a bela Iracema
Vi o encontro com o branco a quem muito ela amou
Fugi com ela da tribo onde viveu com seu homem
O bravo Martin, guerreiro, por quem a vida doou

Que sofrimento avistei naquela pobre indiazinha!
Sempre que o Amor precisava para longe dela ir...
Até que um dia horrível com a criança em seu peito
Vi esperar seu amado, e em seus braços sucumbir

Chorei a dor da saudade que aquela índia deixara
Esperei Martin Soares sua amada enterrar
Deixei pegar sua filha e num barco ir-se embora
Só então que em meu mundo me permiti retornar

Porém pior desventura do que sofreu Iracema
Teve a coitada Isaura, escrava, que padeceu
Das escravas despeitadas suportou toda afronta
Do senhor, que não amava, muitos assédios sofreu

E da vida no cortiço pude ver com Aluizio!
João Romão, egoísta, contemplei a prosperar
Explorando os moradores da vila tão mal cheirosa
Bertoleza, coitadinha, só usou pra lhe enricar

Já bem rico e inserido na elite com fidalgos
Pôs os olhos na filhota do rival que conquistou
E a pobre Bertoleza entregou para escrava
Por tamanho desalento a pobre, enfim, se matou!

E Pombinha, pura moça, que tragédia lhe ocorrera!
Tão ingênua! abusaram da pequena infeliz...
Sua mãe, que ignorante, lhe doara à riqueza
Só colheu de sua escolha uma filha meretriz

E o sério português, cuja esposa venerava?
Depois de ver a baiana, da mulher sentia asco!
Enquanto a pobre sofria, na paixão ele afundava
De Rita virou amante e da esposa carrasco.

Com o bravo Fabiano e sua esposa Vitória
Os meninos e Baleia, a cadela exemplar
Pude ver naquela seca que nada lhes produzia
Homens, cujas vidas secas nunca iam prosperar

Nem se achava no direito de ser chamado de gente
Cabra, apenas, se dizia por contra a morte lutar
Seus meninos, vidas murchas, jogados ao duro acaso
Sofriam a desventura de nascer naquele lar

Não era uma casa triste nem seus pais eram vadios
Cabra macho o Fabiano, e a mulher de valor
Mas do mundo, tão estranho, nada eles conheciam
Quem sabe lá na cidade, um dia serão doutor?

Pois com toda a piedade, naquela seca medonha
Graciliano ajudou aquela gente a mudar
Saindo do anonimato, naquele local fantasma
Forçados vir pra cidade e nova sorte tentar.


Saramago me levou noutra cidade esquisita
A cegueira repentina deixou todos sem visão
Era  uma cegueira branca, mas a luz não resplendia
E aos poucos se acabava o luzeiro da razão


Ninguém podia saber se estava só no quarto
Ou se ao lado da cama outra alma ali jazia
Que horas que ali chegara e se o local era limpo
Nem tampouco quando estava sob a noite ou pleno dia

Mas, para a mulher do médico e pra mim a luz luzia
E fingindo-se de cega, a tudo ela olhava
Não sabia se era bênção ou maldição ter a vista
Que valia ela teria se sozinha enxergava?

Reparei que tal história igualmente eu vivia
Pois por vezes percebi que em meu mundo era assim.
Tantos corpos caminhando, no entanto, só eu via
Multidões indo dispersas caminhando pra seu fim

Estes são alguns dos livros que me aventurei na vida
Porém, fiz muitas viagens, mil aventuras neles vi!
No entanto, o tempo é curto e as folhas não dariam
Pra contar tantas histórias que nos livros eu vivi.

Leila Castanha
25/06/2014











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